Nesse artigo, vamos falar da famosíssima Apendicite Aguda, uma condição médica conhecida por grande parte da população. E não é à toa! A Apendicite Aguda é a emergência cirúrgica abdominal mais comum no mundo inteiro. Praticamente NINGUÉM está livre de ter uma crise de Apendicite e ter que procurar um serviço de emergência médica mais próximo. Aqui, você irá conhecer o que é a tal “apendicite”, como ela surge, quais são os sinais e sintomas dessa doença e como é realizado o seu tratamento. Vamos lá?
A Apendicite Aguda nada mais é do que a inflamação do apêndice vermiforme (também chamado de apêndice cecal, ileocecal ou vermicular). Para entendermos como a Apendicite surge e é tratada, é extremamente necessário, antes de tudo, responder à pergunta básica: “o que é o tal Apêndice?”. Para entendermos o que isso significa, será preciso explicar um pouco da anatomia dessa região do nosso corpo.
O apêndice faz parte do nosso trato gastrintestinal. O alimento que ingerimos, ao passar pela boca, atinge nosso esôfago, seguindo para o estômago e, depois, entrando no intestino, que é a porção mais longa desse caminho. O nosso intestino é dividido em duas partes principais: o intestino delgado e o intestino grosso. O delgado é dividido então em 3 porções: o duodeno (que se junta ao estômago pelo piloro), o jejuno e o íleo. O intestino grosso (também chamado de cólon), por sua vez, pode ser dividido em ceco, cólon ascendente, cólon transverso, cólon descendente, sigmoide e reto, que se liga ao ânus.
Ao fim do intestino delgado, temos então a conexão deste com o intestino grosso. Isso se dá pela chamada válvula ileocecal, ou seja, a válvula que liga o íleo (última porção do duodeno) com o ceco (a primeira porção do intestino grosso).
É exatamente na região do ceco que encontra-se o apêndice, no lado direito. O ceco já é uma região do intestino em forma de bolsa. Já o apêndice é uma estrutura fina e comprida, com fundo cego. Ou seja, o que entra no Apêndice, precisa sair pelo mesmo lugar! É justamente por essa anatomia do apêndice que o torna tão predisposto a inflamar, como veremos mais abaixo, na seção de Causas da Apendicite.
Na imagem abaixo, você confere um resumo da anatomia do trato gastrointestinal e pode entender melhor onde está o Apêndice Vermiforme:
Segundo o Dicionário Michaelis, a palavra “apêndice” significa, na Anatomia, a “parte de um órgão principal”, ou ainda a “parte saliente de um corpo”. Nesse sentido, dizemos que o Apêndice Vermiforme é uma região acessória do intestino. Isso significa que ele não tem uma função extremamente importante para o intestino, essencial para a vida.
Durante muito tempo (e, até hoje, no senso comum), acreditou-se que o Apêndice nada mais é do que um órgão vestigial, ou seja, uma região do corpo que não tem função alguma. Porém, desde 2007, acreditamos cada vez mais que o Apêndice tem, sim, uma função estabelecida no corpo. Hoje, acredita-se que a principal função do Apêndice é a de manter a flora intestinal saudável. Devido a sua posição no intestino e por ter fundo cego (“fechado”), o Apêndice serve como um porto-seguro para as bactérias boas do nosso intestino (chamadas de bactérias comensais), onde elas podem se reproduzir e manter a saúde intestinal. Isso veio de um estudo bastante interessante, que mostrou que indivíduos sem o apêndice têm 4 vezes mais chance de sofrer infecção intestinal por uma bactéria chamada Clostridium difficile, o causador de uma doença chamada de Colite Pseudomembranosa.
Nos EUA, são realizadas em torno de 250.000 apendicectomias (remoção cirúrgica do apêndice inflamado) por ano. A Apendicite Aguda surge principalmente na 2ª e 3ª décadas de vida (ou seja, a maioria das pessoas afetadas têm entre 10 e 30 anos). A Apendicite Aguda afeta homens e mulheres igualmente, exceto na fase entre a puberdade e os 25 anos, onde em cada 5 pessoas afetadas, 3 são homens e 2 são mulheres. A idade média das pessoas afetadas pela doença é de 21 anos.
Um fato interessante sobre tal doença é que ela é mais comum em países desenvolvidos e menos frequente nos países com baixo nível socioeconômico (ou seja, países mais pobres).
Além disso, alguns estudos (como um estudo brasileiro realizado em Minas Gerais) também já mostram que a Apendicite é muito mais comum na população branca do que na população negra ou amarela. Porém, este é um detalhe controverso sobre a doença, e mais estudos precisam ser realizados para entender a relação das raças com a prevalência da Apendicite.
A mortalidade da doença vem diminuindo muito com o passar do tempo. Grande parte disso se atribui ao avanço das tecnologias na Medicina, como o melhor diagnóstico e tratamento dessa doença.
Os fatores que envolvem as causas da Apendicite na população são ainda muito estudadas pela ciência, com muitas dúvidas ainda a serem resolvidas. Basicamente, hoje sabemos que a causa da Apendicite é multifatorial, ou seja, são muitos fatores diferentes envolvidos na inflamação do apêndice. Nesse artigo, vamos comentar um pouco sobre as principais causas da Apendicite e qual o seu papel no desenvolvimento desse problema.
Hoje, o principal fator que explica o surgimento da apendicite é a obstrução (ou “entupimento”) do apêndice. Como você pôde ver na imagem da anatomia do apêndice, ele é bastante suscetível a obstruir, por ser longo, fino e com um fundo cego. A principal causa dessa obstrução é o chamado fecalito, ou seja, um pequena “pedrinha de fezes” que fica impactado em alguma região do apêndice.
O apêndice, assim como outras partes do intestino, secreta muco e fluido. Com o apêndice entupido, essas substâncias não têm para onde ir, e começam a se acumular. Esse acúmulo leva a um aumento da pressão na região. Depois de um aumento muito grande, essa pressão acaba por fechar veias, vasos linfáticos e, por fim, artérias que fornecem sangue com nutrientes e oxigênio às células do apêndice. Assim, esse apêndice sofre isquemia e hipóxia (falta de oxigênio para as células). Isso permite que algumas células morram e as bactérias da região comecem a se proliferar!
Com isso, temos um apêndice em hipóxia, inflamado e com aumento da produção de bactérias no local, ou seja, já temos a apendicite entrando em curso. Nesse momento, geralmente o paciente já apresenta os primeiros sintomas de apendicite.
Depois de certo tempo, com a proliferação dessas bactérias, elas podem translocar a parede do apêndice e causar inflamação transmural (que atravessa a parede do apêndice). Isso vem acompanhado de edema (acúmulo de líquido e aumento do tamanho da região) e, por fim, necrose. O próximo passo é a perfuração do apêndice, ou seja, o estágio final da doença, quando não tratada adequadamente.
Existem ainda outros fatores que podem causar obstrução do apêndice: o aumento do tecido linfoide (linfonodos, ou “ínguas”) após uma infecção intestinal viral, ou, raramente, um tumor na região (como um carcinoma ou tumor carcinoide de ceco), ou ainda um corpo estranho que consegue chegar até o apêndice e (por “sorte”!) consegue entupi-lo (mais comum em crianças de baixa idade).
Outro fator que contribui para a formação da Apendicite parece ser a flora bacteriana da região. Existem vários tipos de bactérias e podemos separá-las em duas classes: aeróbios (que precisam de oxigênio para sobreviver e se reproduzir) e anaeróbios (que não precisam de oxigênio para sobreviver e se reproduzir). Uma região com hipóxia como o apêndice inflamado permite que anaeróbios se reproduzam com mais facilidade.
Em pessoas normais, sem Apendicite, apenas 25{2bcd453d7311fcd5d3fd79b4f06f2b23457405190b55b88de47449b7ddf1e563} têm anaeróbios no aspirado da região. Porém, em pessoas com apêndice inflamado, esse valor chega a 60{2bcd453d7311fcd5d3fd79b4f06f2b23457405190b55b88de47449b7ddf1e563}. Isso significa que anaeróbios têm um papel importante como bactérias infectando o apêndice e fazendo evoluir a Apendicite. As principais bactérias anaeróbias envolvidas nesse caso são as do gênero Bacteroides. Além disso, a Escherichia coli, (uma bactéria aeróbia presente no intestino de todos nós), parece ser outra bactéria que invade a parede do apêndice inflamado e contribui para a evolução da Apendicite.
Outra descoberta que reforça o papel da flora bacteriana na formação da Apendicite é que alguns indivíduos que são tratados somente com antibióticos, no início de uma Apendicite leve, podem melhorar completamente sem a necessidade imediata de cirurgia. Porém, continue lendo que vamos comentar sobre isso com mais detalhes, logo abaixo!
Como você já aprendeu no texto acima, o acúmulo de fezes na região (chamado de fecalito) é um dos principais fatores que causam a Apendicite. Hoje já sabemos que uma dieta com poucas fibras diminui a motilidade (movimentação) intestinal, altera flora bacteriana e, portanto, alguns estudiosos acreditam que isso predispõe ao surgimento dos fecalitos, contribuindo assim com a formação da Apendicite.
Portanto, resumindo, a obstrução do apêndice por fecalitos ou outros fatores, a flora bacteriana colônica (principalmente anaeróbios como o Bacteroides) e uma dieta com baixa quantidade de fibras são, hoje, aceitos como as principais causas de Apendicite na população.
Já falamos muito de Apendicite até agora, mas vamos ao realmente importante: os sintomas de uma doença que, quanto mais cedo identificada, menos risco há no seu tratamento!
De longe, o principal e mais importante sintoma da Apendicite Aguda é a DOR. Essa dor tem características específicas. Se você souber identifica-las, terá muito mais chance de procurar atendimento médico adequado caso esteja frente a um quadro de Apendicite. No início da Apendicite, a dor costuma ser abdominal, mais em forma de cólicas: ou seja, não é uma dor que está sempre presente. As crises duram em torno de 4 a 6 horas e fica difícil encontrar um ponto específico no abdômen onde esteja doendo. Chamamos isso de dor difusa, ou seja, difícil de localizar o ponto principal. Geralmente, a dor começa principalmente na região em torno do umbigo.
Com a progressão do problema, a dor começa a se localizar no lugar do abdômen que chamamos de fossa ilíaca direita (FID). A apendicite afeta o lado direito inferior. Veja essa região na imagem abaixo:
Além da dor, outro sintoma extremamente comum na Apendicite Aguda é a diminuição da vontade de se alimentar, que chamamos na Medicina de hiporexia. Isso pode vir ou não acompanhado de náuseas e vômitos. Os vômitos são mais comuns em indivíduos mais jovens. É bastante raro um quadro de Apendicite Aguda em uma pessoa que tem vontade de se alimentar enquanto está com o quadro de dor sem tratamento!
É importante ressaltar nesse artigo que a Apendicite é uma doença que varia MUITO em sua apresentação clínica. É extremamente comum vermos médicos darem alta para pacientes com dor abdominal no início do quadro de Apendicite e isso não necessariamente significa que o profissional em questão não é um bom médico. Como a Apendicite pode se iniciar com uma dor abdominal mais leve e não localizada em nenhum ponto da barriga, é comum que o médico peça o retorno do paciente ao atendimento caso a dor piore ou mude de apresentação clínica.
A primeira etapa do diagnóstico da Apendicite é o diagnóstico clínico, ou seja, a suspeita da doença a partir dos sintomas do paciente. Durante a avaliação, seu médico irá lhe perguntar mais sobre a dor, quando ela surgiu, onde aparece e se tem relação com a alimentação ou mudança de posição, dentre outras perguntas.
Exames laboratoriais também costumam ser solicitados. O Hemograma é de especial importância, porque a contagem de leucócitos costuma estar aumentada na Apendicite. É comum encontrarmos de 12.000 a 18.000 leucócitos/mm3. Um valor maior que 20.000 leucócitos/mm3 costuma indicar perfuração do apêndice (um quadro mais grave da doença). Porém, uma contagem de leucócitos normal não exclui o diagnóstico de Apendicite!
Outros exames laboratoriais são usados para excluir outras causas de dor abdominal. Nesse caso, pesquisa-se provas de função hepática, Gama-GT e Fosfatase Alcalina para excluir problemas de fígado ou vias biliares, enzimas pancreáticas (Amilase e Lipase) para avaliar uma possível Pancreatite, Parcial de Urina para excluir causas urinárias como nefrolitíase (“pedra nos rins”), beta-HCG para excluir gravidez em mulheres, dentre outros exames, de acordo com cada paciente.
Suspeitando de um quadro de Apendicite Aguda, junto com exames de laboratório, normalmente o médico irá te encaminhar para uma Ultrassonografia de Abdome Total (a popular “ecografia” de abdome), que é um exame muito útil para detectar a Apendicite, bem como excluir outras causas que podem ter um quadro de sintomas parecido. É possível ainda utilizar o Raio-X de abdome e a Tomografia Computadorizada para ajudar no diagnóstico. O Raio-X, porém, é pouco útil para detectar Apendicite, exceto quando encontramos um fecalito envolvido.
Um bom médico deverá também procurar e excluir outras causas de dor abdominal parecidas com a Apendicite, tais como:
Como você pode perceber, são muitas as doenças que podem ser parecidas com a Apendicite e um bom médico deve investigar todas elas, de acordo com cada paciente.
Na imensa maioria dos casos (praticamente todos) a Apendicite Aguda deve ser tratada de forma cirúrgica. A cirurgia para remoção do Apêndice chama-se Apendicectomia e, por conta de as crises de Apendicite serem extremamente comuns, é uma cirurgia bastante realizada no mundo inteiro, por qualquer cirurgião.
A forma de incisão (“corte”) da cirurgia para Apendicectomia pode variar bastante. A incisão clássica é a incisão de McBurney, que você confere na imagem ao lado. Quando o cirurgião tem à disposição equipamentos de Videolaparoscopia, a cirurgia pode ser feita através de 3 pequenas incisões no abdome.
Em casos onde o diagnóstico de Apendicite é mais obscuro, difícil de ser feito, é possível que o cirurgião opte por uma laparotomia exploratória de emergência. Nesse caso, a incisão costuma ser na linha mediana, como na imagem abaixo:
Essa incisão é menos comum, mas pode ser usada pelo cirurgião em qualquer momento de dúvidas em relação ao diagnóstico, algo que pode acontecer a qualquer pessoa frente a um quadro não-clássico de Apendicite, ou seja, aquele em que não há uma certeza diagnóstica. Essa incisão é feita porque, se o cirurgião opta por uma incisão de McBurney e a causa da emergência não é um quadro de Apendicite, ele não pode fazer nada e terá que recorrer a uma laparotomia exploratória de qualquer forma.
Abaixo, você pode conferir um vídeo de como é feita a apendicectomia aberta:
[youtube width=”620″ height=”360″]https://www.youtube.com/watch?v=NFI9IkJnaco[/youtube]
A recuperação após uma cirurgia de apendicectomia vai depender de diversos fatores. O primeiro deles é a gravidade da doença: quanto mais tempo demorar para o diagnóstico e tratamento, pior. Uma apendicite supurada ou perfurada (“estourada”) costuma aumentar as chances de complicações, o que aumenta o tempo de recuperação após a cirurgia.
O tipo de cirurgia também influencia o tempo de recuperação. Uma cirurgia por videolaparoscopia (que não está disponível em todos os centros médicos) costuma acarretar menos dor e a permanência no hospital é de 1 a 2 dias, em média. O paciente pode retornar mais rápido ao trabalho e o resultado estético das incisões na pele são melhores. O tempo de estadia no hospital em uma cirurgia aberta pode ser um pouco superior. O paciente pode retornar à atividade sexual assim que não sentir mais dores, e uma consulta de pós-operatório deve ser feita após aproximadamente 1 a 2 semanas da cirurgia.
A cicatriz da apendicite, pela incisão de McBurney, costuma ser de no máximo 5 cm. De acordo com o caso, seu médico também pode prescrever antibióticos e analgésicos para o pós-operatório da Apendicite.
Muito se tem debatido na Medicina em relação ao uso de antibióticos para o tratamento de Apendicite. Alguns estudos científicos mostram que o uso de antibióticos sem cirurgia pode ser feito no caso de crises de Apendicite não complicadas e leves. Porém, a chance de recorrência (novo episódio de Apendicite Aguda) após um tratamento sem cirurgia é muito maior. Sendo assim, ainda hoje, o tratamento ideal para Apendicite é a cirurgia de apendicectomia.
Existe outro caso em que o tratamento inicial da Apendicite é feito sem cirurgia: é o caso da formação de um abscesso na região. Um abscesso é o acúmulo de pus em um tecido, formando uma região bem delimitada, envolvida por uma membrana de tecido inflamatório. Nosso corpo cria isso como forma de conter a inflamação em um local do corpo, evitando que ela se espalhe para outros locais.
Esses casos são mais raros na Apendicite. Porém, quando acontecem, o cirurgião pode optar por uma drenagem percutânea (através da pele) do abscesso no local, quando ele é maior que 3 centímetros. O tratamento é acompanhado do uso de antibióticos e analgésicos, reposição de fluidos (“soro”), jejum e observação. Depois de aproximadamente 6-12 semanas, pode ser realizada a cirurgia de apendicectomia.
Isso é feito porque, com um apêndice muito inflamado, as chances de complicações de uma cirurgia de apendicectomia são muito maiores! Se for possível reduzir a inflamação antes da cirurgia, como acontece na formação de um abscesso, o cirurgião tem muito mais chances de conduzir uma operação mais bem-sucedida.
Resumindo, cada caso de Apendicite é um caso e a apresentação dessa doença pode variar muito na população. É por isso que formas diferentes de tratar a doença podem ser usadas, sobretudo a critério de um bom médico.
Este foi o nosso (gigante) artigo sobre Apendicite. Tenho certeza que, com ele, você agora está entendendo muito mais sobre a doença! Se tiver sintomas semelhantes aos descritos aqui, procure um pronto-atendimento mais próximo, pois você pode ter Apendicite. Quanto mais rápido buscar ajuda médica, mais chances tem de ter um bom tratamento!
Estou à disposição para quaisquer dúvidas: basta deixar um comentário abaixo ou enviar um email. Até a próxima!
Fernanda Márcia disse:
Parabéns pelo artigo bem explicativo e de fácil leitura! Bons estudos!!!
Alice Shirahama disse:
Foram umas das melhores explicacao que encontrei sobre apendicite,obrigada